Giuliana Bergamo http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br Causos, dicas e reflexões sobre as crianças e o lugar da infância na construção de um mundo melhor. Thu, 21 Nov 2019 12:11:26 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Eu vivi um Brasil sem racismo http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/11/21/eu-vivi-um-brasil-sem-racismo/ http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/11/21/eu-vivi-um-brasil-sem-racismo/#respond Thu, 21 Nov 2019 11:45:46 +0000 http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/?p=54 O Brasil já foi um país sem racismo

Na década de 1980, quando vivi minha primeira infância, não tinha isso de negros serem pessoas inferiores. Quer uma prova? Eu, menina branca, ganhei uma boneca preta, veja só. Tinha cabelinhos bem cacheados, um vestidinho rosa, mas veio sem nome. 

O problema foi resolvido rapidamente: batizaram minha boneca com o nome de Maria. Era uma homenagem à mulher que vivia na casa dos meus avós, no quarto do andar de baixo, perto da lavanderia, que era tratada “como se fosse da família”. Maria era tão querida por todos nós que deu nome à boneca. Que coisa bonita!

Na minha família, ser “mulata” era até um elogio. Um elogio que eu, menina branquela, recebia. Era quando, em tempos de Carnaval, eu sambava em frente à televisão. “Que bonitinha, samba feito uma mulata”, diziam, e eu ficava toda pimpona. 

Não tinha racismo na minha infância. Eu tinha “até” um amigo negro na escola particular onde eu estudava, veja só. O nome dele é Daniel, mas ele era conhecido pelo sobrenome que herdou do pai, descendente de japoneses: Quiyan. Engraçado, né? Um negro com nome japonês… Pois é, muita gente também achava. Acostumamos com isso.  

Não tinha racismo na minha família de brancos. A gente até vivia reforçando as semelhanças entre nós e os negros escravizados. Assim como os africanos, diziam meus parentes, nossos antepassados também vieram para cá em navios apinhados de gente. 

Assim como os negros, meus parentes — inclusive meu avô ainda menino — foram escravizados nas fazendas de café. Tiveram que fugir na calada da noite para tentar ganhar a vida na cidade. Conseguiram prosperar graças ao trabalho suado. O trabalho transforma, o trabalho salva o homem, ouvi dizerem. 

Mas isso tudo foi na minha infância sem racismo. Depois as coisas mudaram. Tudo tão estranho… Com a maturidade, veio essa coisa chata de olhar para a vida com certa crueza, sem as fantasias que criam para a gente quando somos pequeninos. Cresci e troquei de pele. Continuo branca, translúcida até. Mas o racismo foi aparecendo.

Seria mesmo uma homenagem chamar a boneca preta pelo nome de uma trabalhadora doméstica? Não é. Esse simples e aparentemente singelo ato está carregado de racismo. Ele reforça a ideia de que o lugar de uma preta (seja mulher, seja boneca) é o da empregada doméstica. Ou o da mulata que samba “com naturalidade” no Carnaval. 

É racismo, sim, achar que a história dos europeus que trabalharam em condições hoje consideradas análogas à escravidão é igual à dos africanos! Os europeus sofreram, sim. Eu não nego a dor da minha família ao deixar, em condições paupérrimas, sua terra natal para tentar a vida em um país desconhecido. 

Não nego o quanto deve ter sido sofrido para eles serem enganados e submetidos a condições tão precárias de trabalho e de vida. Deve ter sido duro sobretudo para a nonna, uma mulher com muitos filhos, cuidando de todos sozinha em uma situação tão adversa.

Só que tudo isso está bem longe do que viveram os africanos. Eu não tenho propriedade para ir à fundo nas diferenças. Mas só para começar: enquanto meus parentes decidiram deixar sua terra, os negros foram arrancados do lugar onde viviam. A maioria esmagadora de seus descendentes não faz a mais remota ideia de qual parte da África partiram seus antepassados. 

Chegando aqui, não tiveram o “privilégio” de trabalhar em família, como fizeram os europeus. Mulheres foram separadas dos maridos, dos filhos. Eles não foram explorados, foram açoitados, estuprados. Quando fugiam, não prosperavam na cidade. Eram mortos ou sofriam penas ainda piores do que perder a vida. 

Meu avô trabalhou muito, é verdade. E trabalhou até ficar bem velhinho na bicicletaria que abriu ainda jovem. Sujeito carrancudo, trocava pouquíssimas palavras com a clientela, esbravejava, ouvia rádio e óperas enquanto trabalhava. Lia, é verdade. Eu mesma cheguei a presenteá-lo com livros da Zélia Gattai, que ele recebia com euforia no fim da vida. Mas escrevia pouquíssimo porque, acredito, não chegou a ser alfabetizado.

Fico imaginando como seria se ele fosse um negro dono de uma oficina. Será que os clientes achariam graça no “negão” carrancudo, semi-analfabeto e que ouvia canções africanas enquanto trabalhava? Ou será que sua música seria condenada a fazer parte de alguma seita maléfica? Ou será que as pessoas, principalmente as mulheres, teriam medo de chegar perto daquele lugar?

Ontem, enquanto escrevia este texto, troquei mensagens com meu amigo Daniel Quiyan. A vida adulta nos distanciou, mas esse negócio de redes sociais tem umas mágicas bem bonitas. Pedi a ele que lesse o que eu estava escrevendo e quis saber mais sobre o projeto que ele está desenvolvendo chamado “Cotas no primário”, para garantir o acesso de crianças negras à educação infantil. 

Contei que nunca vou esquecer de quando a gente, já adolescente, passava a tarde com a turma no shopping. Fazíamos todos a maior zona. Mas o segurança sempre chamava a atenção dele. Também não vou esquecer do episódio em que o carro do pai dele foi parado pela polícia que achou suspeito um casal de brancos com um rapaz negro no banco de trás. 

“Quando lançaram o macaco Murphy, era melhor não ter nascido…kkk”, disse Quiyan, em referência ao brinquedo que fez sucesso em nossa infância. “Mas eu não quero falar a partir do lugar de vítima. Quero falar desses assuntos com leveza e até humor… ácido. Gostaria que todos tivessem a mesma oportunidade que eu tive”.  

A oportunidade que o Quiyan teve chama amor. Os pais dele o adotaram de uma mulher negra que não tinha condições de criá-lo. Com muito amor, ele cresceu um menino preto em uma família meio japonesa, meio italiana. Com muito amor, ele foi matriculado em uma boa escola. Falhou como aluno às vezes (culpa da escola, eu acho!), mas foi acolhido sempre que precisou. 

“Eu queria ter sido um aluno excelente para justificar a minha ideia… não fui. Mas tive sempre alguém pra me dar a mão para recomeçar… isso é fundamental. E isso é parte da teoria que eu gostaria de transformar em prática. Estou no caminho”, escreveu.  

Quis procurar Maria (que, na verdade, tem outro nome, mas eu não me senti no direito de mencionar sem pedir autorização a ela, então troquei) também, mas não consegui a tempo de publicar este texto na data prevista. 

Queria saber dela se compactua com a ideia de que, na minha infância, os adultos faziam de conta que não havia racismo entre nós. Mas não vou abandonar o objetivo. Quero encontrá-la para matar a saudade, saber como anda a vida e falar desse assunto que branco adora tentar esconder, mas, vixe, não vai dar, não.  

Afinal, se racismo é coisa de branco, porque fomos nós que inventamos esse horror, como ouvi Preta Rara dizer durante um evento de Universa, somos nós — e não os negros — que temos o dever de falar sobre ele todos os dias, sem escamotear com histórias mal contadas. Para que fique cada vez mais evidente e possa, assim, ser combatido. Porque o Brasil, infelizmente, é um país muito racista.

]]>
0
Para que servem as regras? http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/11/07/para-que-servem-as-regras/ http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/11/07/para-que-servem-as-regras/#respond Thu, 07 Nov 2019 07:00:08 +0000 http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/?p=48 O roteiro é quase sempre o mesmo. Eu começo pedindo educadamente e em bom tom que todo mundo se sente à mesa junto, para fazer a refeição em família. Tenho sucesso depois do quinto pedido, que já se transformou em súplica dita aos gritos. 

E, então, vem a listinha: “Use o guardanapo, não a blusa, por favor!”; “Abaixe as penas”; “Arrume a postura, aproxime a cadeira da mesa”; “Aqui não pode…” A ladainha é longa e chata. E as crianças parecem calcular com precisão quais pedidos serão atendidos ou não para me manter no limite tênue entre a irritação e a insanidade. 

Até que um dia…

“Mãe, para que servem essas regras aí?”

“Ué, são regras de educação à mesa.”

“Mas para quê? Por que eu não posso dobrar os joelhos e apoiar o pé na cadeira, por exemplo?”

“Ah, tem vários problemas aí. Primeiro que o seu joelho acaba encostando na mesa e balançando tudo. Segundo porque você fica mais longe do prato e, aí, acaba derrubando a comida no caminho do garfo até sua boca.”

“Entendi… faz sentido.”

Voltei para meu copo de qualquer coisa muito orgulhosa com minha retórica até que…

“Mas, mãe, e boné? Por que é falta de educação usar boné à mesa?”

“Porque…Putz, não sei.”

Abandonei o copo de novo e peguei outro utensílio doméstico imprescindível às mesas brasileiras para buscar uma resposta. Dois cliques para cá, outro para lá e, depois de uma porção de páginas reforçando o tamanho da falta de educação que é usar a cabeça coberta à mesa, achei um site com algo mais, digamos, instrutivo. Não era exatamente confiável, mas serviu para desenrolar a conversa.

“Aqui diz que tirar o chapéu ao cumprimentar uma pessoa é sinal de respeito.”

“Hum… mas por quê?”

“Não sei. Estou tentando entender… Olha, também diz que, na revolução industrial…”

“O que é revolução industrial?”

“Espera aí! Já, já explico isso também… Aqui diz que, naquela época, quando as fábricas jogavam muita fuligem no ar, as pessoas usavam chapéu para proteger o rosto. Aí, quando entravam nas casas e, principalmente quando se sentavam à mesa para comer, tiravam o chapéu para não sujar a casa ou a comida.”

“Tá, mãe, mas hoje em dia não cai sujeira na nossa cara quando a gente anda na rua… por que tem que tirar o chapéu, então?”

“Não sei. Não sei, mesmo. Acho que a gente simplesmente continuou fazendo uma coisa sempre igual, sem pensar no porquê. Que bom que você perguntou.”

]]>
0
Você já falou de morte com as crianças? http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/11/02/falar-de-morte-com-as-criancas/ http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/11/02/falar-de-morte-com-as-criancas/#respond Sat, 02 Nov 2019 14:19:20 +0000 http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/?p=39 No intervalo de menos de uma semana, meus filhos perderam dois bisavós. Ficaram tristes, é claro. Bisavós não dispõem da mesma energia dos avós ou dos tios. Mas eles sempre têm um abraço fofinho, um pote cheio de biscoitos e guloseimas, umas histórias muito malucas para contar. 

Bisavós também têm outra coisa: eles são os avós dos nossos pais, os pais dos avós e, quando morrem, a família inteira volta a ser criança. Mas criança de um jeito ruim. Volta a ser um menino ou uma menina que perdeu um pedaço da infância, do aconchego, da segurança. Fica todo mundo muito triste. E as crianças de verdade parecem bem chocadas quando veem os adultos assim. 

Não tive dúvida sobre como dar a notícia. Eu e o pai deles apenas sentamos no sofá, chamamos minha filha e meu filho para perto e dissemos: “Então… o biso estava velhinho e, essa noite, morreu”. Os pequenos se aninharam na gente e choraram um pouco. Há tempos já sabiam que os velhinhos costumam morrer antes. Mas, até então, eu não fazia ideia do quanto eles realmente compreendiam o que é a morte. 

Já tínhamos falado sobre isso antes, mas, no mundo infantil, sempre existe um espaço maravilhoso entre o que nós adultos dizemos e o que gostaríamos que eles compreendessem. Nesse vão, entra a fantasia e uma porção de histórias lindas ou, vez ou outra, terríveis, que eles enfiam na cabeça. Quem tira de lá?

Não demorou muito para que eu percebesse que as coisas estavam meio confusas, mesmo. Sentado sobre o vaso, fazendo cocô enquanto eu arrumava alguma coisa no banheiro, meu filho perguntou: 

“Mãe, por que tiram a cabeça do morto?” 

“Tiram a cabeça, filho? Como assim?”, respondi.  

“Ah, o papai disse que, depois que a gente morre, fica só o corpo. Para onde vai a cabeça?”

Ri e expliquei que não era bem assim. Que a cabeça faz parte do corpo, então fica tudo lá. O que vai embora, contei, é a alma. “Mas, mãe, o que é alma?” Aí ficou mais difícil. Às minhas tentativas de mostrar o que é a alma, meu filho apenas respondeu: “Mãe, eu não estou sentindo minha alma, não entendi”. 

Foi então que decidi levá-los ao velório do meu avô. Eu não tinha certeza de que aquela era uma boa decisão. Ver o bisavô ali, frio e inerte coberto de flores poderia, sim, concretizar o que é a morte, mas também poderia criar ainda mais minhocas na cabeça das crianças. Será que teriam pesadelos? Ficariam com muito medo? 

Sei lá. Filhos de dois jornalistas, eles convivem com a sorte e o azar de serem apresentados ao mundo sempre com a verdade. Nada de fake news! E, então fomos nós ao velório do biso, uma cerimônia muito simples e íntima, porque minha família decidiu que meu avô não ia querer que todo mundo o visse ali, no caixão. 

Os dois chegaram com cautela, um pouco constrangidos com a situação. Abraçaram todo mundo e devem ter notado que, naquele dia, os abraços foram mais longos, com mais beijinhos, cheirinhos no cangote. Também teve mais pedidos para que contassem o que andavam fazendo de bom e mais gente interessada em entretê-los com as flores do jardim, o gatinho no muro. 

Muita gente (eu não) bem que tentou tirar meus filhos do foco. Mas ninguém conseguiu. Eles fizeram questão de dar aquela espiadela no bisavô deitado no caixão. Logo depois da visão, minha filha pediu um pedaço de papel qualquer. Ganhou dois. Em um desenhou o biso de mãos dadas com ela, em um jardim cheio de flores maiores do que eles. No outro, anotou o número de sorte e o nome do meu avô. E colocou tudo sobre ele, entre as flores. “Tchau, biso”. 

Já meu filho partiu para uma sequência de traquinagens que incluíam cuspir no jardim e puxar a roupa dos outros. Levou broncas leves primeiro e, depois, foi chamado para uma conversa séria no canto. Até que aquietou, sentou em uma cadeira, largou o corpo e escorregou dizendo: “Como é chaaaaaaaaaato morrer!”. 

Sim, morrer é chato, mesmo. E triste pra caramba. Mas não tem como fugir disso. Dá até para atrasar um pouco — ou bastantão, como mostrou uma reportagem do UOL TAB “A morte no vácuo”, sobre tecnologias que prometem prolongar a vida. Mas também dá para tornar tudo menos dolorido se conseguirmos passar por cima do tabu e tratar o assunto, desde cedo, com naturalidade. 

Desde aquele dia, passamos a contar muitas histórias sobre os bisos: aquelas das quais as crianças participaram e outras, de quando elas ainda nem existiam. Curtimos as fotos, colocamos objetos que eram dos nossos avós ou que eles nos deram em lugares de destaque na casa. Afinal, morrer também pode ser dar as mãos num jardim ou ser eternizado nas memórias boas que guardam da gente.  

]]>
0
Tem espaço para sentimentos na agenda de nossas crianças? http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/24/29/ http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/24/29/#respond Thu, 24 Oct 2019 15:53:10 +0000 http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/?p=29 Cansada do dia corrido, eu lavava a louça já pensando na outra tarefa e na agenda cheia da semana, quando comecei a prestar atenção na conversa das crianças. Falavam sobre animais de estimação. 

“Eu tenho um peixe. Mas peixe… ele não faz nada e, então, não dá para fazer nada com ele…”, disse triste a garotinha. 

Os amiguinhos (orgulhosos proprietários de uma dupla de gatos que, sim, fazem muitas coisas) olharam para ela com cara de quem concorda ou não captou muito bem a mensagem. E continuaram a brincar. 

Eu também voltei ao sabão, à água e aos pratos. Eu tinha muito o que fazer. A lista nunca cessa. Até dormir, nos últimos tempos, virou uma tarefa a cumprir — o drama é que não ando me saindo muito bem nessa aí…

Enquanto o corpo executava, a cabeça foi para outro lugar. Será que não dá para fazer nada com peixes, mesmo? É verdade que não dá para pular, jogar bola ou trocar carinho com esses bichinhos de aquário. Mas peixes são belos. Observá-los nadar, borbulhar, subir até a superfície e, em seguida, descer ao fundo para mexer nas pedrinhas, limpar o vidro do aquário é pura contemplação. 

Será que não há mais espaço para contemplação na vida de nossas crianças?

Para quem viveu os anos 1980 empoleirado nos bancos sem cinto de segurança na parte de trás dos carros reclamar porque o destino final estava muito longe foi um clássico. Mas entre um “está chegando?” e outro, sempre tinham aqueles momentos em que olhávamos para fora, observando os pastos, as árvores ou mesmo as cidades passando rápido e imaginando coisas.

Eu, por exemplo, adorava olhar para o céu, sobretudo à noite, à procura de espaçonaves extraterrestres. Também gastava um tempo pensando se meu pai, no banco da frente, seria capaz de saber no que eu pensava se encostasse o pé na parte de trás do banco dele.

Tento estimular isso nos meus pequenos quando viajamos, mas funciona até o décimo pedido para “ver um filminho no ipad” ou coisa do tipo. E olha que sou resistente…

Não vou ficar aqui romantizando o passado e abominando o presente, nem o futuro. Não sou dessas. Mas aquele fragmento de conversa me fez repensar a diferença de valor que nossa geração dá ao fazer e ao sentir (levando em consideração que a contemplação, é claro, nos proporciona sensações, deflagra sentimentos). 

É fato que, como humanidade, chegamos até aqui graças a pessoas que fizeram muitas coisas. Não à toa chamamos as grandes conquistas de “feitos”. 

Foi um grande feito acender o fogo, inventar a roda, criar vacinas, remédios e aparelhos capazes de voar ainda mais alto do que as aves. 

Foi um grande feito chegar à Lua, a Marte, transportar informações para o outro lado do Planeta em frações de segundo e fazer com que essas informações nos digam o que fazer. 

E agora? Em um mundo onde máquinas fazem praticamente tudo, será que nós, humanos, precisamos continuar fazendo tanto? Qual a diferença entre alguém que faz muitas planilhas e um computador qualquer que, administrado por um algoritmo, sabe muito mais sobre o seu desejo de compra do que você mesmo?

A contemplação é uma atividade também. Mas uma atividade que não resulta em produção. Resulta em sentimentos, sensações. Contemplando sonhamos, planejamos, imaginamos, somos levados a um universo mágico ao qual só nós, humanos, temos acesso. 

Tememos ser substituídos por robôs, mas esquecemos de que, pelo menos por enquanto, eles não são capazes de sentir. E, se queremos levar a melhor na luta entre máquinas e humanos, talvez achar brechas (ou permitir que elas aconteçam) para contemplação na agenda seja uma estratégia bem sucedida. 

Nesse ponto do devaneio, eu já estava enxugando os pratos e me lembrei que tudo isso começou por causa de um aquário de peixes. E pensei: será que eu deveria comprar um para meus filhos? Ou, quem sabe, não seria um passeio bacana levá-los a uma loja de peixes ornamentais? Está aí: programação de fim de semana. Vamos ver peixes! Ops, mas isso já seria outra tarefa. Melhor só ficar em casa, olhando pela janela. 

]]>
0
“Minha filha roubou um celular” http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/17/minha-filha-roubou-um-celular/ http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/17/minha-filha-roubou-um-celular/#respond Thu, 17 Oct 2019 17:59:43 +0000 http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/?p=24 “Minha filha roubou um celular”, disse minha amiga. Aflita, ela recebera a notícia por telefone. Ao perceber que se tratava do número da escola, pediu licença e saiu de uma reunião para atender o chamado. Voltou e, ao final do compromisso, foi até o café para desabafar comigo. E então contou:

Naquela tarde, sua filha e outras amigas (todas com oito anos) distraíram o assistente da professora com abraços e gracinhas e passaram a mão no telefone do rapaz, que estava guardado no bolso do avental. Fugiram para um cantinho da escola e lá destravaram o aparelho — as espertinhas já andavam ligadas nos movimentos dos dedos do educador a cada vez que ele precisava desbloquear o negócio. Mal tiveram tempo de fazer qualquer coisa, foram denunciadas por um colega da outra turma. 

Ouvi a história atenta e fiz algumas perguntas. À medida que respondia, percebi que minha amiga foi se acalmando. As garotas tinham sido repreendidas pela professora e a diretora, é claro. Na conversa, falaram não apenas sobre tirar algo do outro, mas sobre invasão de privacidade. Foram também punidas: por alguns dias (já não me lembro mais o número exato) perderam o direito de ficar no parque sem serem monitoradas por adultos. E ponto. 

Ao final da conversa, concluímos, estava tudo bem. A traquinagem faz parte da idade. Por trás da atitude das meninas, talvez tivesse um certo fetiche pelos eletrônicos dos adultos, uma boa dose de desejo de aventura, de transgressão. E o comportamento estava sendo devidamente repreendido pelos adultos. Minha amiga conversaria com a filha mais tarde, provavelmente aplicaria algum tipo de punição também. Tudo ficaria bem novamente. Vida que segue. 

Agora convido você que chegou até essa linha do texto (obrigada!) a fazer comigo um exercício de reflexão. As meninas dessa história são todas brancas e estudam em uma escola particular e cara da zona oeste de São Paulo. Mas… e se a escola estivesse em outra porção da cidade? Uma periferia do extremo sul, por exemplo? E se as meninas fossem negras? E se as mães trabalhassem como caixas de um supermercado e não pudessem usar o celular durante o expediente para ligar para uma amiga para se acalmar depois de uma notícia aflitiva? E se…

No documentário “O Código Bill Gates”, sobre a história do fundador da Microsoft e disponível na Netflix, Melinda Gates (a mulher dele) conta sobre como o casal ficou chocado ao saber, por meio de uma reportagem, que, na África, crianças ainda morrem por diarreia, uma doença de tão simples tratamento. “Na época, nossa filha era pequena. E eu sabia que, se ela tivesse diarréia, eu iria à farmácia ou ao médico. Se eu fosse uma mãe em um país em desenvolvimento, minha filha talvez não sobrevivesse”, diz. 

A comoção de Melinda é a mesma da Major Denice Santiago, cuja história publicamos em Ecoa. Diz ela sobre a diferença de tratamento que a polícia dá a moradores de regiões mais nobres e aqueles que vivem em áreas periféricas: “O lugar onde a pessoa vive não pode determinar a forma como ela vai ser tratada.” Não pode, Denice, não pode. Mas não é bem isso o que tem acontecido no mundo, não é? 

Se fosse negra e pobre, estudante de uma escola pública, a história da filha da minha amiga talvez fosse muito diferente. 

]]>
0
Dia das crianças é para consumir, sim! Com consciência http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/10/dia-das-criancas-e-para-consumir-sim-com-consciencia/ http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/10/dia-das-criancas-e-para-consumir-sim-com-consciencia/#respond Thu, 10 Oct 2019 12:00:26 +0000 http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/?p=17 Dia das Crianças é uma data ótima para dividir famílias por causa de uma polêmica. De um lado os que entram na onda do consumo desenfreado e entopem as crianças de brinquedos. Do outro, pais e mães que, em nome da consciência ambiental, blindam seus filhos e substituem as compras por passeios, feiras de trocas ou, simplesmente, por um dia comum, negando a data.

Já eu, vou confessar, não me sinto à vontade em nenhum desses papeis. Comprar só por impulso ou para substituir qualquer outra coisa (afeto, presença…) não é legal e me causa desconforto. Mas somos pessoas do século 21 e eu não consigo negar que comprar coisas que desejo me causam, sim, certo prazer.

Por que negar isso às crianças? Ou: como permitir que tenham a experiência da boa compra ou da espera por um presente sem correr o risco de que virem compradores em série?

Foi diante desse dilema (#classemediasofre) que, anos atrás, quando minha filha era ainda uma bebezinha, eu e o pai dela criamos uma regra. Primeira filha, primeira neta, primeira bisneta, primeira sobrinha, na época, ela era naturalmente entupida de presentinhos de todos os lados.

Até que eu pedi um tempo às pessoas queridas. Se continuássemos naquele ritmo, a coisa seria banalizada e, provavelmente, os presentes perderiam o sentido essencial de representar o carinho de uma pessoa pela outra.

De lá para cá, estipulamos que eles só seriam bem-vindos em datas específicas: aniversário, Natal, Páscoa e… Dia das Crianças! Tem funcionado. Sim, eu passo semanas respondendo “quantos dias faltam para…” ou dizendo “coloca na lista” sempre que escuto “mãe, compra um…”. Mas acredito que, assim, meus filhos estão aprendendo a consumir, sim, mas de forma consciente.

]]>
0
“Vamos salvar o mundo e botar o pé na estrada, mamãe” http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/01/vamos-salvar-o-mundo-e-botar-o-pe-na-estrada-mamae/ http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/01/vamos-salvar-o-mundo-e-botar-o-pe-na-estrada-mamae/#respond Tue, 01 Oct 2019 11:00:25 +0000 http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/?p=9 O principal objetivo desta coluna é refletir sobre a importância das crianças e da infância na construção de um mundo melhor. Quando penso nos temas dos textos que pretendo escrever, logo me vêm à cabeça dicas e orientações sobre como criar os filhos de forma consciente e de olho no futuro. Mas os filhos, sabe como é, estão sempre aí para nos surpreender e mostrar que, opa, talvez o caminho seja outro. Comigo (ou com os meus) não tem sido diferente. 

“Oi, mamãe. Tenho uma novidade”, minha filha de oito anos disse durante uma conversa pelo Facetime no último sábado (28). Fazia frio, chovia um pouco até. E eu estava ali, sentada diante do meu computador na redação de Ecoa, preparando os últimos detalhes para a estreia do site. Resolvi fazer uma pausa para falar com meus pequenos (além dela, tenho um menino de seis anos). 

“Conta, filha, qual a novidade?”, perguntei. “É uma música, mãe. Compus uma música. Vou gravar para você ouvir depois, mas o refrão diz assim:  

Garota empoderada
garota empoderada
vamos salvar o mundo
e botar o pé na estrada”.

Apaguei a coluna que escrevia (sobre educação inclusiva ou algo do tipo, ainda volto nela). Substitui o texto por esta dica aqui. Mas ela não tem nada a ver com a forma como devemos criar o filhos. Minha sugestão é: vamos deixar que as crianças criem em nós, adultos, esse otimismo pueril, essa certeza de que podemos, sim, salvar o mundo. Ainda que seja só o mundo da nossa casa. Já está bom. 

Eu sei, eu sei. Não está fácil para ninguém. É crise econômica, crise política, crise ambiental… Feliz de quem não vive também uma crise amorosa e outra existencial. Mas não dá para deixar a peteca cair. E um jeito de continuar dando tapinhas na base do brinquedo é conviver com esses seres nascidos depois de 2001, 2002… 

Ao contrário dos adultos, a juventude vive uma onda de esperança. Não é só a sueca Greta  Thunberg que resolveu abraçar causas por um futuro melhor. Jovens de diversas partes do mundo integram o movimento que, no Brasil, está sendo chamado de Sextas Pelo Clima (ou Fridays for Future) e outras iniciativas do tipo, como mostramos no especial “Para vencer o calor”, publicado hoje em Ecoa. 
Que tal fazer como eles e “salvar o mundo” antes de “botar o pé na estrada”?  

 

]]>
0
Blog da Giuliana Bergamo estreia no UOL http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/17/blog-da-giuliana-bergamo-estreia-no-uol/ http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/17/blog-da-giuliana-bergamo-estreia-no-uol/#respond Tue, 17 Sep 2019 13:36:40 +0000 http://giulianabergamo.blogosfera.uol.com.br/?p=5 Causos, dicas e reflexões sobre as crianças e o lugar da infância na construção de um mundo melhor.

]]>
0