Para que servem as regras?
Giuliana Bergamo
07/11/2019 04h00
O roteiro é quase sempre o mesmo. Eu começo pedindo educadamente e em bom tom que todo mundo se sente à mesa junto, para fazer a refeição em família. Tenho sucesso depois do quinto pedido, que já se transformou em súplica dita aos gritos.
E, então, vem a listinha: "Use o guardanapo, não a blusa, por favor!"; "Abaixe as penas"; "Arrume a postura, aproxime a cadeira da mesa"; "Aqui não pode…" A ladainha é longa e chata. E as crianças parecem calcular com precisão quais pedidos serão atendidos ou não para me manter no limite tênue entre a irritação e a insanidade.
Até que um dia…
"Mãe, para que servem essas regras aí?"
"Ué, são regras de educação à mesa."
"Mas para quê? Por que eu não posso dobrar os joelhos e apoiar o pé na cadeira, por exemplo?"
"Ah, tem vários problemas aí. Primeiro que o seu joelho acaba encostando na mesa e balançando tudo. Segundo porque você fica mais longe do prato e, aí, acaba derrubando a comida no caminho do garfo até sua boca."
"Entendi… faz sentido."
Voltei para meu copo de qualquer coisa muito orgulhosa com minha retórica até que…
"Mas, mãe, e boné? Por que é falta de educação usar boné à mesa?"
"Porque…Putz, não sei."
Abandonei o copo de novo e peguei outro utensílio doméstico imprescindível às mesas brasileiras para buscar uma resposta. Dois cliques para cá, outro para lá e, depois de uma porção de páginas reforçando o tamanho da falta de educação que é usar a cabeça coberta à mesa, achei um site com algo mais, digamos, instrutivo. Não era exatamente confiável, mas serviu para desenrolar a conversa.
"Aqui diz que tirar o chapéu ao cumprimentar uma pessoa é sinal de respeito."
"Hum… mas por quê?"
"Não sei. Estou tentando entender… Olha, também diz que, na revolução industrial…"
"O que é revolução industrial?"
"Espera aí! Já, já explico isso também… Aqui diz que, naquela época, quando as fábricas jogavam muita fuligem no ar, as pessoas usavam chapéu para proteger o rosto. Aí, quando entravam nas casas e, principalmente quando se sentavam à mesa para comer, tiravam o chapéu para não sujar a casa ou a comida."
"Tá, mãe, mas hoje em dia não cai sujeira na nossa cara quando a gente anda na rua… por que tem que tirar o chapéu, então?"
"Não sei. Não sei, mesmo. Acho que a gente simplesmente continuou fazendo uma coisa sempre igual, sem pensar no porquê. Que bom que você perguntou."
Sobre a Autora
Giuliana Bergamo é jornalista e editora de Ecoa. Em mais de 15 anos de profissão, se orgulha por ter varrido o país (e uns cantos fora dele) em busca de boas histórias para contar. Elas foram publicadas nas reportagens que produziu para os veículos pelos quais passou – Veja, Veja-SP, BandNews FM, Viagem e Turismo. Entre os anos de 2015 e 2018, comandou o Prêmio CLAUDIA, então a maior premiação feminina da América Latina.
Sobre o Blog
Causos, dicas e reflexões sobre as crianças e o lugar da infância na construção de um mundo melhor.