Tem espaço para sentimentos na agenda de nossas crianças?
Cansada do dia corrido, eu lavava a louça já pensando na outra tarefa e na agenda cheia da semana, quando comecei a prestar atenção na conversa das crianças. Falavam sobre animais de estimação.
"Eu tenho um peixe. Mas peixe… ele não faz nada e, então, não dá para fazer nada com ele…", disse triste a garotinha.
Os amiguinhos (orgulhosos proprietários de uma dupla de gatos que, sim, fazem muitas coisas) olharam para ela com cara de quem concorda ou não captou muito bem a mensagem. E continuaram a brincar.
Eu também voltei ao sabão, à água e aos pratos. Eu tinha muito o que fazer. A lista nunca cessa. Até dormir, nos últimos tempos, virou uma tarefa a cumprir — o drama é que não ando me saindo muito bem nessa aí…
Enquanto o corpo executava, a cabeça foi para outro lugar. Será que não dá para fazer nada com peixes, mesmo? É verdade que não dá para pular, jogar bola ou trocar carinho com esses bichinhos de aquário. Mas peixes são belos. Observá-los nadar, borbulhar, subir até a superfície e, em seguida, descer ao fundo para mexer nas pedrinhas, limpar o vidro do aquário é pura contemplação.
Será que não há mais espaço para contemplação na vida de nossas crianças?
Para quem viveu os anos 1980 empoleirado nos bancos sem cinto de segurança na parte de trás dos carros reclamar porque o destino final estava muito longe foi um clássico. Mas entre um "está chegando?" e outro, sempre tinham aqueles momentos em que olhávamos para fora, observando os pastos, as árvores ou mesmo as cidades passando rápido e imaginando coisas.
Eu, por exemplo, adorava olhar para o céu, sobretudo à noite, à procura de espaçonaves extraterrestres. Também gastava um tempo pensando se meu pai, no banco da frente, seria capaz de saber no que eu pensava se encostasse o pé na parte de trás do banco dele.
Tento estimular isso nos meus pequenos quando viajamos, mas funciona até o décimo pedido para "ver um filminho no ipad" ou coisa do tipo. E olha que sou resistente…
Não vou ficar aqui romantizando o passado e abominando o presente, nem o futuro. Não sou dessas. Mas aquele fragmento de conversa me fez repensar a diferença de valor que nossa geração dá ao fazer e ao sentir (levando em consideração que a contemplação, é claro, nos proporciona sensações, deflagra sentimentos).
É fato que, como humanidade, chegamos até aqui graças a pessoas que fizeram muitas coisas. Não à toa chamamos as grandes conquistas de "feitos".
Foi um grande feito acender o fogo, inventar a roda, criar vacinas, remédios e aparelhos capazes de voar ainda mais alto do que as aves.
Foi um grande feito chegar à Lua, a Marte, transportar informações para o outro lado do Planeta em frações de segundo e fazer com que essas informações nos digam o que fazer.
E agora? Em um mundo onde máquinas fazem praticamente tudo, será que nós, humanos, precisamos continuar fazendo tanto? Qual a diferença entre alguém que faz muitas planilhas e um computador qualquer que, administrado por um algoritmo, sabe muito mais sobre o seu desejo de compra do que você mesmo?
A contemplação é uma atividade também. Mas uma atividade que não resulta em produção. Resulta em sentimentos, sensações. Contemplando sonhamos, planejamos, imaginamos, somos levados a um universo mágico ao qual só nós, humanos, temos acesso.
Tememos ser substituídos por robôs, mas esquecemos de que, pelo menos por enquanto, eles não são capazes de sentir. E, se queremos levar a melhor na luta entre máquinas e humanos, talvez achar brechas (ou permitir que elas aconteçam) para contemplação na agenda seja uma estratégia bem sucedida.
Nesse ponto do devaneio, eu já estava enxugando os pratos e me lembrei que tudo isso começou por causa de um aquário de peixes. E pensei: será que eu deveria comprar um para meus filhos? Ou, quem sabe, não seria um passeio bacana levá-los a uma loja de peixes ornamentais? Está aí: programação de fim de semana. Vamos ver peixes! Ops, mas isso já seria outra tarefa. Melhor só ficar em casa, olhando pela janela.
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